sexta-feira, 22 de novembro de 2019

IMPRENSA E MODELOS DE NEGÓCIO

A comunicação social é um dos setores cuja atividade mais se diferencia das restantes. Os meios para conseguir manter a sua finalidade são instrumentos fundamentais para a sustentabilidade de um regime democrático, o debate e o confronto informado de ideias e para o próprio questionamento do poder, nos seus pesos e contrapesos.
Nunca como hoje circulou tanta informação. Todavia, isso não significa que estamos perante uma sociedade melhor informada. O volume de informação manipulada, as fake news e a falta de escrúpulos de quem não se preocupa ou ignora o rigor e critérios jornalísticos também aumentou proporcionalmente. O mundo digital permite que cada um e com diferentes objetivos apresenta mentiras, meias verdades e outras deturpações.
Existem, para juntar a isso, exércitos de trolls nas redes sociais a servir nebulosos interesses políticos e económicos onde quem ousa expressar pensamento de forma diferente se sujeita a ser devorado pelos servidores, conscientes ou inconscientes, dos autores dos posts.
Neste domínio das redes sociais, também não é pacífico o modo como, para uns, os órgãos se comunicação social se deixaram capturar pelas mesmas, usando estas para veicular conteúdos; para outros, não passa, no entanto, do velho axioma de "quando não podes com o inimigo, junta-te a ele". No meio disto tudo, quase nos esquecemos que, até ao presente e apesar de todos os constrangimentos, ainda não existe nada mais eficaz para combater a mentira e a manipulação, que o jornalismo.

A questão essencial que queremos aqui aflorar  é, todavia, sobre a crise que a comunicação social e que verificamos, nos damos conta no dia a dia, lemos ou ouvimos.
Desde logo, com o digital surgiu a ideia de que não se tinha de pagar pelo trabalho jornalístico. Passaria, pois, a ser o único trabalho pelo qual não se teria de pagar para dele beneficiar.
As próprias empresas de comunicação social criaram essa ideia, que o decorrer dos anos revelou já estar totalmente errada, na convicção de que a publicidade compensaria a disponibilização gratuita do trabalho. Hoje isso é apresentado, pelos estudiosos deste fenómeno, como o PECADO ORIGINAL.
Identificado este, lentamente, mas cada vez mais, as empresas de comunicação social começam a limitar o acesso gratuito aos seus conteúdos. Todavia (e salvo raríssimos exceções que confirmam a regra), com as finanças depauperadas, os meios de comunicação social, apesar dos melhores meios a nível de ferramentas tecnológicas, têm maior dificuldade em meios humanos e materiais para investigar os assuntos e questionar os tais poderes, político e económico, de quem passaran a depender para, apenas, sobreviver. O papel de contrapoder dos media, de confrontar e dirigir-se ao poder, está diminuído e vemos muita gente que, em vez de ter vergonha pelo papel que fazem, se orgulham de por os pés (ou patas) no quarto do poder.


No meio disto tudo, ainda não se vê a luz ao fundo do túnel quanto ao modelo de negócio viável para este setor. Há quem advogue o sistema francês do Estado subsidiar a comunicação social (à semelhança dos apoios às artes, como o teatro ou o cinema), quem defenda um cheque-cultura para os estudantes puderem, por exemplo, assinar um meio de comunicação social à sua escolha, quem advogue benefícios fiscais para os consumidores de informação, quem seja contra qualquer tipo de apoios e dependências estatais, antes uma aposta na formação e na literacia jornalística (grande parte da população “come” como informação jornalística o que afinal não o é).
Outra fonte de rendimento para os media - e aqui já parece existir mais consenso - poderá passar pela obrigatoriedade dos "gigantes do ciberespaço" -  e que também distribuem conteúdos desta - disponibilizarem alguma parte dos lucros que acabam por auferir por via destes e não, quando sucede, umas míseras migalhas que "nem dá para mandar cantar um cego".
Não há, pois, unanimidade e o debate é grande sem se chegar, ainda, a uma conclusão. O panorama nos media não é animador, não apenas na imprensa escrita; até as Tv’s não conseguem conquistar público junto das novas gerações!
No meio deste emaranhado está a ganhar adeptos o jornalismo narrativo (ou literário, como também lhe chamam, defendido por Mark Kramer, jornalista e académico em Harvard)) como forma de responder à crise. Um jornalismo criativo não ficcional, uma espécie de narrativa factual em que o jornalista abandona o habitual tom impessoal, em voz passiva, com que noticia os acontecimentos.

Há um assunto que também se fala, mas que já é recorrente; a falta de alguma ética e cultura geral em algumas pessoas que estão no meio. Algo que, diga-se em abono da verdade, não existe só na comunicação social. Serr jornalista é, mais do que tudo, uma vocação para a qual tem de existir, além de uma resiliência (a nível psicológico) para ser exercida com rigor e independência face às pressões a que se está sujeito, um naipe de saberes que lhe permitam "acumular" (perdoem-me a expressão)  conhecimento. Não é por acaso que as empresas, quando efetuam as entrevistas de recrutamento a jornalistas, têm como principal prioridade (mais do que o curriculum escolar) aperceber-se do grau de cultura geral do mesmo. De modo a que o profissional da área se sinta habilitado a mediar devidamente a informação entre o emissor e o recetor, não se limitando a ser um mero "cabo de microfone", mas capaz de estabelecer hierarquias e questionamentos na mesma.
Por exemplo, os conhecimentos em História (recente ou longínqua) são apontados como fundamentais. Só conhecendo o passado estamos em melhores condições de saber interpretar o presente e antever o futuro.
Seja como for, não se trata de um problema só de agora e o tempo tem-se encarregado, aliás, de fazer a seleção natural, com muitos a terem de enveredar por outras áreas profissionais.
A terminar, ainda mais uma referência para os conteúdos em suporte de papel. Neste âmbito, a exceção parecem ser os livros que, segundo vários indicadores, têm conseguido resistir a esta erosão. Os e-books ainda não conseguiram tornarem-se tão populares como os jornais e as revistas digitais.

Manuel Sotomaior

PS - Uma conferência sobre a sustentabilidade financeira da comunicação social vai decorrer a 2 e 3 de dezembro na "Cidadela", em Cascais. A iniciativa é organizada pelo Sindicato dos Jornalistas e tem o patrocínio do Presidente da República. O desiderato «não é fazer um diagnóstico, mas sim apontar caminhos e soluções».


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